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Fonoaudiologia, ronco e apneia obstrutiva do sono.
Saiba o papel do Fonoaudiólogo no tratamento da Apneia do Sono

A fonoaudiologia e o sono possuem uma relação mais antiga do que se conhece. Desde o final da década de 90 e início dos anos 2000, os profissionais da área de motricidade orofacial, já observavam a relação entre as alterações das estruturas e funções do sistema estomatognático nos indivíduos roncadores e com apneia obstrutiva do sono. Alguns trabalhos publicados nesta época já citavam alterações como: aumento do volume lingual tanto lateralmente como longitudinalmente, aumento da altura do dorso de língua e denteamento de suas bordas, véu palatino e úvula alongados, hiperemiados e edemaciados além de alterações funcionais da mastigação e da deglutição. Entretanto, somente a partir de 2009, com um trabalho publicado na American Journal of Respiratory and Critical Care intitulado “Efeitos dos exercícios orofaríngeos em pacientes com apneia obstrutiva do sono moderada”, com grande repercussão internacional que a fonoaudiologia se consagrou como uma possibilidade de tratamento em pacientes com apneia obstrutiva do sono.

O estudo, realizado no Instituto do coração da Universidade de São Paulo (INCOR) divulgou a primeira evidência científica sobre a eficácia de um programa de exercícios fonoaudiológicos em pacientes com AOS moderada. Dentre eles, uma redução de 40% no IAH, aumento significativo da saturação periférica de oxigênio noturna, redução significativa na medida da circunferência cervical e melhoras significativas das escalas de sonolência diurna de Epworth, do questionário de ronco de Berlim e da qualidade de sono de Pittsburgh.

De lá para cá, muitos outros estudos foram desenvolvidos e além dos benefícios descritos no trabalho citado, já se sabe que os programas de exercícios fonoaudiológicos são capazes de reduzir a frequência do ronco em 36%  e a sua intensidade em até 59%, reduzir o índice de despertares, promover o aumento da força da língua e reduzir seu o volume e quantidade de gordura e promover um aumento de 30% para 65% na adesão ao tratamento por CPAP.  Além disso, existe um relato de dois casos de indivíduos com apneia obstrutiva do sono grave que após a terapia miofuncional orofacial houve a normalização do IAH em um deles e a redução para o grau leve no outro. Cabe comentar que neste segundo caso, houve um ganho de peso durante o tratamento. Embora esse estudo seja apenas um relato de casos, os dados chamam a atenção para dois pontos: o primeiro, é a eficácia que um programa terapêutico individualizado pode oferecer para cada paciente que pode oferecer melhoras ainda mais significativas aos dos programas já descritos na literatura. O segundo, é o fato de que a terapia miofuncional orofacial é capaz de promover melhoras significativas, mesmo mediante a ganho de peso. Este estudo também demonstrou melhoras importantes em todos os parâmetros de saturação periférica de oxigênio noturna. Por outro lado não são todos os pacientes com AOS grave que obterão esse tipo de resultado e faltam pesquisas com um maior número de indivíduos que demonstrem esse tipo de melhora em pacientes com AOS grave.

A boa notícia é que não para por aí. A fonoaudiologia do sono está em expansão. Além da motricidade orofacial, outras especialidades têm realizado estudos sobre a relação entre a apneia obstrutiva do sono e suas áreas de atuação. Nos dois últimos simpósios de fonoaudiologia do sono, foram apresentados trabalhos que demonstraram que indivíduos com apneia obstrutiva do sono apresentam alterações vocais, de deglutição, piora da gagueira, prejuízo no desenvolvimento processamento auditivo central e limitação na evolução de tarefas de linguagem em idosos. O que amplia o entendimento a respeito das consequências da AOS nos indivíduos.

Embora já tenhamos evidências científicas relevantes, cabe dizer que a prática clínica é ainda mais ampla. Nem sempre chegam casos redondos, condizentes com o perfil dos pacientes incluídos nos estudos citados. Atualmente, tenho recebido uma demanda de pacientes que estavam bem adaptados por anos ao CPAP e queixam o início de uma dificuldade no seu uso. Referem que há uma “briga” com o aparelho e manifestam desejo de abandonar seu uso. Em sua maioria, meia idade e idosos. Quando avalio estes pacientes observo um prejuízo muscular não só trazido pela idade como alterações funcionais de mastigação e deglutição que acabam atrapalhando a manutenção do fechamento da cavidade oral durante o sono causando fuga, despertares recorrentes por boca seca e uma baita sonolência no dia seguinte. O foco do trabalho fonoaudiológico nestes casos, é entender a dificuldade do paciente e trabalhar a musculatura para que o mesmo volte a ficar bem adaptado no CPAP, que é o tratamento padrão ouro.

Além disso, existem os pacientes que não aceitaram ou não se adaptaram ao CPAP ou ao aparelho intra oral e os que não estão dispostos a se submeterem à cirurgia. A fonoaudiologia é uma excelente alternativa para estes casos e oferece ótimos resultados incluindo melhoras expressivas no IAH, redução do grau de severidade, dos índices de saturação noturnos, dos despertares e microdespertares e redução dos eventos de apneia obstrutiva. Por outro lado, também existem os casos onde a cirurgia foi feita ou o paciente já faz uso de AIO, mas têm melhores resultados quando associados à terapia fonoaudiológica, chegando a eliminar a apneia residual.

Antes de finalizar, gostaria de citar um papel ainda pouco conhecido que o fonoaudiólogo do sono vem desempenhando na sua prática clínica: a identificação dos pacientes com AOS. Através da nossa avaliação identificamos um “perfil de roncador” em alguns indivíduos que chegam à clínica por outros motivos que não o sono, como por exemplo disfunção têmporo mandibular, disfonia ou disfagia. Nestes casos, as informações são passadas ao profissional responsável pelo caso, que solicita o exame de polissonografia e o diagnóstico de apneia obstrutiva do sono é realizado. Isso é maravilhoso tendo em vista que a AOS é uma doença de alta prevalência, porém subdiagnosticada. Desde que comecei a atuar na área de medicina do sono, ajudei a identificar a apneia obstrutiva do sono em quase 100% dos pacientes idosos saudáveis ou com disfagia grave que me procuraram e sequer fizeram queixas do sono. Alguns inclusive já com quadros de sonolência excessiva diurna, declínio cognitivo e/ou início de quadros de hipertensão arterial.

Finalmente, gostaria de lembrar que a apneia obstrutiva do sono é uma doença multifatorial. Alguns indivíduos conseguem reunir mais de um fator de risco para sua ocorrência. O sucesso terapêutico destes indivíduos muitas vezes se encontrará na combinação de dois ou mais tratamentos disponíveis e que deverão ser escolhidos e combinados com base na individualidade de cada caso. Seja lá quais forem eles, uma coisa é certa: havendo distúrbios miofuncionais, a associação do trabalho fonoaudiológico pode ser a peça chave para o sucesso do tratamento.

Por Dra. Leticia FreixoFonoaudióloga
Mestre em ciências pela Faculdade de Odontologia de Bauru da Universidade de São Paulo (FOB – USP)
Colaboradora do LabSono HUGG/UNIRIO
Membro da Associação Brasileira do sono (ABS)

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